segunda-feira, 18 de maio de 2015

PÁTRIA DEVORADORA!


*Matéria do Correio 24 horas

A grande notícia – logo no primeiro dia do ano – não preparou estudantes e professores para as novidades que viriam nos meses seguintes. O novo lema do governo federal, anunciado no discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, era bem claro: “Brasil, Pátria Educadora”. Mas, em meio à crise econômica que o país enfrenta, não foi bem assim que a carruagem andou.

De lá para cá, teve de tudo: estudantes sem conseguir contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), universidades declarando contenção de gastos, prazo de inscrições do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) sendo adiado duas vezes e até bolsa estágio do Ciência sem Fronteiras (CsF) atrasando, com direito a piadinha das universidades estrangeiras... Por último, essa semana, a taxa de inscrição para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passou de R$ 35 para R$ 63 – um acréscimo de 80% no valor, que não sofria reajuste desde 2004.

Sem corte
No entanto, segundo o Ministério do Planejamento, não se deve falar em corte nos gastos. Pelo menos, não até a próxima sexta-feira, dia 22, que é o prazo limite para o decreto final que ratifica a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015 ser publicado. 

Até porque, de acordo com a LOA, a Educação ainda vem lá na frente, como uma das prioridades no orçamento do país. Este ano, serão R$ 103 bilhões. Em 2014, foram R$ 94 bilhões. Mais do que isso, só quem teve foi a Saúde, que deve receber uma verba de R$ 109 bilhões ao longo do ano – 8,8% a mais do que no ano passado.

Mas isso não amenizou o sofrimento de ninguém. Pelo menos, não o da controladora de serviços Mayra Oliveira, 22 anos, que não sabe como será seu futuro no curso de Estética e Cosmética da Unifacs. 

Ela foi uma dos 178 mil estudantes que não conseguiram contratar empréstimos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) dentro do prazo, segundo o Ministério da Educação (MEC).

“Tentava dez vezes por dia, até três  horas da madrugada, mas sempre dava erro. Conseguia chegar até a fase sete, que é a última, e não funcionava”, relembra a jovem. 

Apesar de ter um desconto de 50% na mensalidade de R$ 687, Mayra contava com o empréstimo do Fies para realizar seu sonho. “Moro com meu marido de aluguel e ganho R$ 900. Não tenho quem me ajude e nem tenho condições de pagar”, comenta a estudante. 

Sem esperanças de um novo contrato, ela tenta conseguir mais algum desconto através da própria universidade.

A situação é complicada porque, se o primeiro semestre do curso não for quitado, ela será bloqueada na instituição. “Para algumas pessoas, parece pouco dinheiro, mas não é para mim. Estou indo para a aula, mas nem sei se no próximo semestre estarei lá. É desesperador”, desabafa.

Para atender todos os estudantes que não conseguiram o Fies, o MEC diz que precisaria de mais R$ 1,8 bilhão. No entanto, o orçamento total para novos contratos este ano era de R$ 2,5 bilhões. Em 2014, R$ 4,8 bilhões foram destinados ao fundo.

Além disso, foram priorizados os cursos que tiveram nota máxima (5), no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Nesses casos, houve um aumento de 19,7% entre os novos financiamentos. Enquanto isso, a quantidade de empréstimos nas graduações que tiveram
nota 3 na prova caiu 10%.

Inicialmente, o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, que só tomou posse no dia 6 de abril, havia afirmado que não era possível abrir um prazo de inscrição para novos contratos, porque todo o dinheiro havia servido para atender os pouco mais de 250 mil contratos fechados até o final de abril.

Sem FIES
Contudo, esta semana, Janine afirmou que o MEC deve decidir, nas próximas semanas, se haverá uma edição do Fies no segundo semestre. Enquanto isso não acontece, o auxiliar de portaria Venícius Silva, 21, não teve outra alternativa, além de abandonar o curso de Psicologia na Faculdade Regional na Bahia (Unirb), antes mesmo de terminar o primeiro semestre. Com uma mensalidade na instituição de R$ 940 e um salário quase equivalente, Venícius não teve alternativa.

“Psicologia sempre foi o meu sonho e ainda é. Mas, para arcar, eu teria que receber uns R$ 2 mil por mês. Do jeito que estou, só ia viver para pagar a faculdade. Não ia ter dinheiro nem para o transporte”, ilustrou. O estudante se diz indignado com a situação. “Isso é humilhante, porque passei o ensino médio sonhando com essa faculdade. No período das inscrições, liguei até para o MEC, o que não deu em nada. Fiquei desamparado”, lamenta o jovem. Agora, ele já se prepara para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para tentar uma vaga numa instituição pública.

Enem mais caro

Só que nem o Enem ficou de fora, já que a taxa de inscrição quase dobrou. De acordo com o Inep, órgão responsável pela prova, o reajuste foi uma correção da inflação ao longo dos últimos 11 anos.

Mas nem todo mundo precisa pagar a mais: a taxa não vale para os estudantes isentos, como é o caso de Venícius. A isenção é concedida a todos aqueles que estudaram em escola pública ou que têm renda familiar de até R$ 1.182 – um salário mínimo e meio. 

Apesar de a assessoria do Inep não ter informado o número de candidatos que estão nessa condição e que prestaram o exame em 2014, a estimativa é que não passe de 30%. Ainda assim, o estudante Uiler Moreira, 15 anos, acredita que a mudança vai pesar no final do mês. Bolsista no Colégio Adventista de Salvador, ele não se encaixa em nenhuma das duas categorias para se tornar isento. 

“Acho injusto porque nós, bolsistas, vamos sair prejudicados. Faço parte da (Orquestra Juvenil) Neojibá e ganho uma bolsa de R$ 350. Com isso, ajudo minha mãe a pagar as contas e uso para transporte e alimentação. Vou ter que tirar um pouco desses dois”, diz ele, que pretende cursar bacharelado em Música, com habilitação em violino, na Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Já a fotógrafa Nti Uirá, 27, ressalta que, apesar de não ter ficado feliz com o aumento, a taxa ainda é mais barata do que o valor cobrado por vestibulares tradicionais. 
“Não vou dizer que não me afeta, porque sempre vai ser uma grana tirada de outro lugar. Mas quem faz a prova já está preparado para isso e não é um preço absurdo. Não acho que eles (MEC e Inep) estejam fazendo isso para ter lucro”, afirma Nti, que quer uma vaga no curso de Artes Visuais também na Ufba.

De fato, o custo com o Exame Nacional, utilizado por todas as instituições federais, além de outras tantas estaduais e privadas, ainda é bem menor do que o que é cobrado pelas universidades que ainda fazem seu próprio vestibular. 

Em 2013, quando o exame era apenas a primeira fase do processo seletivo da Ufba, os estudantes deviam pagar R$ 70 pela segunda fase. Em 2012, último ano do vestibular tradicional, o preço foi de R$ 100.

FONTE: http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/governo-esta-longe-de-honrar-lema-adotado-para-a-educacao-no-novo-mandato/?cHash=923a8b8c9fce4add7216c50cc7fddfb9

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